Telegram: https://t.me/inspiresonhos

terça-feira, 16 de abril de 2024

Cego que não quer ver

Pela manhã, bem cedo, antes do trabalho, é a melhor hora para as minhas reflexões, pensar na vida, recalcular rotas, traçar objetivos, é quando estou com a mente limpa, calma, desperta e descansada

Atravessando a rua para entrar no trabalho, estava pensando em como ontem e hoje me sinto menos exausta do que nas últimas semanas, era um cansaço mental, que me fazia dormir cedo e acordar cansada, eu queria era esquecer, esquecer que isso estava acontecendo dentro da minha casa e eu não via.

A expressão "pior cego é aquele que não quer ver" pulou na minha mente. Eu era a cega que não queria ver. Agora que tudo está entrando no eixo, já me sinto mais a vontade em escrever sobre o assunto.

A juventude, imaturidade me fez julgar muitas coisas, como por exemplo as mães de dependentes químicos. Como era possível elas não verem os sinais? Como?? Deixar chegar ao ponto extremo, não perceber do começo?! Como?!

E hoje, ou nos últimos tempos, eu fui a mãe que não quis ver, os sinais eram claros,  e nas últimas semanas carreguei a culpa de "onde eu errei" e a gente nunca imagina que o nosso filho pode estar precisando de ajuda.

Lembre desse verão, a gente na piscina, conversando, ela sempre falando de sua nova paixão "Doramas". Eu olho para o braço dela todo arranhado e pergunto o que aconteceu.. e ela "ahh o gato me arranhou". Como temos gatos, essa desculpa sempre serviu, apesar de eu ainda dizer que ela devia ter perturbado demais o gato, por que eu eles não arranham. E agora vem na minha memória, várias vezes que eu vi os braços dela arranhados.

Posso dizer que em algum desses momentos, surgiu a hipótese dela mesmo estar fazendo os machucados, mas afastei da minha cabeça, por que pra mim era algo tão absurdo. Fui a cega que não quis ver.

Até que...

Mês passado, jantando olho para o braço dela, todo cortado, todo o braço esquerdo cortado, aquilo não podia ser arranhado de gato, pergunto pra ela o que era aquilo, ela afirma que foi o gato e eu digo que não foi, ela corre para o banheiro, eu vou atrás. Coloco uma pressão e ela conta que ela faz, meu mundo desaba, minha filha se mutilando, eu só queria saber a motivação, quem mais fazia.

Foi uma longa conversa de banheiro. Promessas que não iria mais fazer, porém se caso ela fizesse novamente eu iria entrar em contato com a escola.

Não precisou eu entrar em contato.

Uma tarde, estava fazendo algumas coisas não vi o telefone, sempre no silencioso, quando olho, uma ligação da escola dela, eu fiquei preocupada, retornei a ligação, nada tinha acontecido com elas mas a orientação queria marcar uma hora pra conversar comigo.

Eu iria a escola de qualquer forma, mesmo sem a ligação, pois no dia anterior, quando deixei ela na escola ela estava com os braços limpos, quando chegou ela estava com os braços cortados, então ela fez na escola e pelo visto a escola também descobriu, amigas foram contar na orientação.

O motivo pra ela se cortar: o aplicativo de bloqueio de celular.

Não, ela não tem esse direito de usar isso como chantagem emocional pra eu ceder no que ela quer.

Eu , dessa vez não teve mãe calma e compreensiva, por que eu sei que não estou errada. Ela é criança, precisa de regras e limites e nada do que eu coloco é algo fora do normal. Ela precisa estudar, ler, fazer outras coisas, não somente ficar atoa no celular. Ela tem hora pra dormir..arrumar o quarto, hora para comer. 

Surtei.

Eu fiquei puta. Fui na escola, uma longa conversa com eles, expliquei que já estava ciente do que acontecia, que tentei resolver, contei as motivações, contei quem mais fazia, que eu acredito que ela está fazendo pra chamar atenção, por repetição, por que em momentos nenhum ela tentou esconder, eu que não vi.

Isso me esgotou. De imediato não contei ao pai dela, contei somente depois dessa ida a escola, nesse meio tempo alguns dias trabalhei 12 horas. Eu mal dormia, comia.

Viajamos eu adoeci, não consegui descansar. Foi uma montanha russa de emoções. E por um tempo eu só quis esquecer que isso acontecia dentro da minha casa.

No final de tanta conversa.. ela não voltou a fazer e se voltar ela está avisada: "se a motivação da vida dela, é por que ela tem um aplicativo que limita o uso do celular, ela vai ter que arrancar o braço fora, por que eu faço questão de quebrar todo o celular que ela tem, por que aí nem celular ela vai ter e o problema será encerrado."





Nenhum comentário: